O relatório coloca o limite crítico de temperatura em torno de Graus 1,2 do aquecimento global em relação à era pré-industrial, patamar que o planeta já ultrapassou. Mesmo que a temperatura se estabilizasse em 1,5 °C, o documento prevê que mais de 90% dos recifes sofrerá grave degradação, com consequências para a biodiversidade, a pesca e a proteção costeira natural.
Um limiar climático já ultrapassado

Desde 2016, sucessivo ondas de calor marinhas desencadearam eventos de branqueamento em larga escala que afetaram a maioria dos recifes tropicais. Em 2022, a Grande Barreira de Corais registrou um evento de grande magnitude. apesar de um episódio de La Niña, uma fase que normalmente traz chuva e águas um pouco mais frias para a região.
Os números são impressionantes: o quarto episódio global de branqueamento, iniciado em 2023, já causou danos mais de 80% dos recifes, com estimativas recentes colocando o impacto acima 84%Além disso, os períodos de recuperação que costumavam separar um evento do próximo praticamente desapareceram, reduzindo a resiliência do sistema.
Especialistas apontam que a dinâmica se acelerou. Pesquisadores em ecologia marinha enfatizam que o intervalo de recuperação entre perturbações é quase inexistente, uma situação que coloca os corais nos limites de sua tolerância térmica e funcional.
O que isso significa para os recifes e para as pessoas

Os recifes tropicais apoiam pesca, turismo e defesa costeirae abrigam uma enorme diversidade de espécies. Estima-se que seu bom estado impacte direta ou indiretamente o bem-estar de centenas de milhões de pessoas, especialmente em comunidades costeiras de baixa altitude.
Entre os efeitos mais imediatos estão: menor segurança alimentar devido ao declínio das populações pesqueiras, à diminuição dos rendimentos ligados ao turismo marítimo e ao aumento do risco de tempestades e erosão costeira devido ao desaparecimento da barreira natural proporcionada pelo recife.
Mesmo que o aquecimento seja limitado a 1,5°C, a probabilidade de os recifes cruzarem ou permanecerem além do seu limiar térmico é praticamente seguro (cerca de 99%), de acordo com a avaliação. A margem de manobra já é tão estreita que uma recuperação em larga escala não seria viável sem um resfriamento sustentado das águas.
Na verdade, a análise sugere que, para conservar os recifes em grande escala, a temperatura média global teria de voltar a cerca de 1 °C acima ou abaixo dos níveis pré-industriais. A curto prazo, os esforços devem concentrar-se em proteger abrigos térmicos e melhorar a qualidade do habitat para manter as funções ecológicas onde ainda é possível.
Cadeia de risco no sistema terrestre
O relatório não se limita aos corais: identifica 26 possíveis pontos de virada no sistema terrestre e enfatiza que suas conexões são, em sua maioria, desestabilizadoras. A Circulação Meridional do Atlântico (AMOC) aparece como uma eixo central em muitas dessas interações.
Entre os sistemas sob pressão estão: enfraquecimento da AMOC, com potencial para alterar o clima do Atlântico Norte; a perda de massa de gelo na Groenlândia e na Antártida Ocidental, com impactos de longo prazo no nível do mar; Permafrost ártico, que já emite metano e CO₂ devido ao derretimento abrupto; Amazona, cuja resiliência é diminuída pela desflorestação, pelos incêndios e pelo aquecimento global; e a florestas boreais, expostas a incêndios, pragas e secas capazes de liberar grandes reservas de carbono.
Os especialistas em clima salientam que o âmbito e a magnitude dos impactos aumentam a cada ano e que mais população experimenta efeitos duradouros e vários fatores de aquecimento. Essa aceleração aumenta o risco de transições abruptas e reduz o tempo disponível para uma adaptação eficaz.
O que pode ser feito agora
O diagnóstico é claro: é urgente reduzir drasticamente a Emissões de gases de efeito estufa e acelerar a transição energética. O relatório também identifica sinais positivos, como a rápida expansão da energia solar, veículos elétricos, baterias e bombas de calor, que estão começando a substituir tecnologias intensivas em carbono.
Para ganhar tempo para os corais, as prioridades incluem a proteção abrigos resistentes, reduzir as pressões locais (sobrepesca, poluição, descargas de águas residuais) e fortalecer a gestão das áreas marinhas protegidas. À escala global, os autores sugerem que poderá ser necessário extração ativa de CO₂ da atmosfera, juntamente com a mitigação, para recuperar uma margem térmica segura.
Com a próxima cimeira climática das Nações Unidas em Belém (COP30) No horizonte, a comunidade científica apela a uma mobilização sem precedentes de políticas e recursos para evitar que outros sistemas vitais ultrapassem os seus próprios limites, com especial atenção para a riscos em cascata entre elementos do sistema terrestre.
A mensagem deixada por esta avaliação é que já vivemos com uma nova realidade climáticaOs recifes de coral ultrapassaram seu ponto crítico, e outros sistemas estão se aproximando do mesmo. A ação está na rápida redução das emissões, na proteção do que resta e na implementação de soluções que reduzam as temperaturas e, sempre que possível, restaurem o equilíbrio oceânico.